top of page

Perturbação do Espetro do Autismo - PEA

 

A PEA, com as três áreas de alterações significativas, pode estar associada a várias patologias que agravam o quadro existente. As mais frequentes, de acordo com Lima (2012), são o défice cognitivo (coeficiente geral de inteligência abaixo da média), a síndrome de X-frágil, perturbação de hiperatividade com défice de atenção (PHDA), perturbações do sono e alimentares. Contudo, embora estas características coexistam e intensifiquem as perturbações associadas ao autismo, são apenas consideradas comorbilidades.

As características específicas de um autista relacionam-se com o modo como este perceciona e compreende o mundo, afetando consequentemente o modo irá interagir sobre ele. De acordo com a “teoria da mente” desenvolvida por Frith (1989, citado por Jordan, 2000), a dificuldade fundamental de um indivíduo autista refere-se “à compreensão dos estados mentais tais como pensar e sentir” (p.23).

A generalidade dos indivíduos com PEA apresenta alterações ao nível de algumas funções cognitivas, tais como a atenção, a memória, o pensamento e as funções cognitivas executivas, bem como outras características específicas, como por exemplo as alterações na comunicação. De seguida, apresentaremos estas características que surgem na maioria dos indivíduos e que ajudam a compreender a sua forma ímpar de se relacionar com o mundo.

 

Atenção

Ao nível da atenção, considera-se que as crianças com PEA apresentam uma tendência excessiva para selecionarem e se focarem demasiadamente numa ou várias características específicas de um objeto ou de uma pessoa, em vez de percecionarem o todo (Happe and Frith, 1996, citados por Lima, 2012). É frequente observar uma criança pequena com PEA a girar as rodas de um carro, por consequência desta alteração, sendo esta uma competência que mais tarde podem direcionar para estudar aprofundadamente um tema do seu interesse e, se o souberem canalizar adequadamente, utilizá-lo com proveito profissional ou social.

Por outro lado, apesar de poderem focar-se especificamente num pormenor, é também frequente a mesma criança apresentar momentos em que se encontra “desatenta e hipercinética”, sem parar numa atividade específica e a mover-se aparentemente sem sentido (Soprano, 2006, p.235).  

Estudos recentes, divulgados na internet e em revistas da especialidade, associam o aparente défice de atenção à “sobrecarga emocional” (sensory overload ou overwhelming, em língua inglesa), uma vez que os indivíduos com autismo habitualmente captam a informação do ambiente com muito mais intensidade e pormenores do que a maioria das pessoas. Um estudo realizado na University of Rochester (2013, citada na internet pela Health Day, 2013), concluiu que as crianças autistas detetam movimentos simples muito mais rapidamente do que as restantes crianças.

O excesso de estímulo pode sobrecarregar o cérebro da criança autista, que fica agitada ou simplesmente tenta abstrair-se do que a rodeia para se acalmar, tendendo a movimentar-se em demasia ou, por exemplo, não responder quando a chamam. Este aspeto está intimamente relacionado com as alterações sensoriais, que é uma área de crescente investigação, embora ainda existam poucas publicações científicas relacionadas com esta temática específica.

 

Memória

No que diz respeito à memória, as alterações face à norma parecem favorecer os portadores de autismo. De acordo com Lima (2012), “a memória imediata e a memória por repetição são áreas fortes na PEA”, o que facilita o seu processo de aprendizagem, independentemente da capacidade intelectual (p.24).

Na memória episódica de longa duração, lembram-se de pormenores invulgares, embora “tenham um desempenho significativamente inferior à norma à medida que a complexidade do material verbal ou visual a ser lembrado aumenta” (Vincendon, Bursztejn e Danion, 2008, citados por Lima, 2012, p.25).

 

Pensamento,  abstração e  pragmática

O pensamento concreto é outra característica cognitiva típica nas crianças com PEA, habitualmente visível como dificuldades ao nível da abstração. Do ponto de vista social, esta característica interfere, uma vez que “a mente do sujeito com PEA tem dificuldade em aceitar que os outros podem ter pensamentos diferentes dos seus e, como tal, tem dificuldade em prever os comportamentos dos outros” (Baron-Cohen, Leslie e Frith, 1985, citados por Lima, 2012, p.24).

Jordan (2000) explicita esta característica, referindo que “as previsões que fazemos sobre o comportamento das outras pessoas baseiam-se na nossa compreensão de (ou nas nossas pressuposições sobre) aquilo que estão a pensar, a sentir ou que pretendem fazer” (p.23). Consequentemente, não compreender estes estados mentais provoca dificuldade em prever comportamentos, levando o autista a sentir as outras pessoas como imprevisíveis, assustadoras ou perigosas, tendendo a isolar-se ou a reagir agressivamente. Podem, noutras situações, tender a dificuldade em manter uma conversa sobre um assunto que não seja aquele em que sejam “especialistas”. Esta dificuldade em compreender os outros é frequentemente descrita como “défice de empatia”.

O pensamento concreto explica outras alterações do comportamento relacionadas com a socialização e também com a comunicação, nomeadamente a pragmática da linguagem. Um indivíduo com PEA tende a não compreender intuitivamente o segundo sentido do discurso, podendo entender literalmente expressões idiomáticas como “está a chover a potes” ou, quando procuram alguém, ser-lhes respondido que “está aqui no meu bolso”. Estas expressões, típicas da língua e da comunicação de um modo geral, constituem grande parte do discurso social. Assim, releva-se determinante o ensino explícito das mesmas às crianças com PEA.

As alterações do pensamento podem ainda manifestar-se através de reações chocantes para os outros, tais como o riso inapropriado. John Elder Robinson (2010), um autista adulto, relata no seu livro de memórias uma situação em que se sorriu, segundos após saber da morte de uma criança. Apesar da perplexidade e reprovação das adultas que o acompanhavam no momento, John Elder não teve um “pensamento sociopata”: tal como ele próprio relata, pensou que aquela criança não era sua conhecida e tinha sido imprudente em brincar naquele lugar e, por isso, semelhante situação nunca lhe aconteceria a ele próprio. Como ele e os seus amigos estavam bem, sentiu-se aliviado e feliz e sorriu (p.48).

Funções  cognitivas  executivas

As funções executivas são funções mentais superiores relacionadas com o planeamento, a organização, o autocontrolo, a resolução de problemas, a flexibilidade cognitiva e a adaptação à mudança. De um modo geral, nestas funções, os indivíduos com autismo têm um desempenho inferior ao seu grupo etário (Lima, 2012, p.25) e, de acordo com Ozonoff (1995, citado por Jordan, 2000) todas estas funções se encontram perturbadas no autismo.

Uma consequência particular do défice nas funções executivas consiste na “dificuldade em modificar o comportamento em relação com o feedback” (Jordan, 200, p.28). Isto significa que as crianças com autismo tendem a persistir em executar ações, mesmo quando a sua estratégia falha ou quando tal acarreta uma punição. Este comportamento é, frequentemente, confundido com desobediência ou provocação.

Outro comportamento associado com a alteração das funções cognitivas, é a inflexibilidade ou rigidez comportamental. É frequente um indivíduo com autismo ficar perturbado se não se sentar sempre no mesmo lugar à mesa ou se alguém mexer no seu material escolar sem autorização.

Esta característica relaciona-se também com o apego a rotinas e rituais. Um indivíduo com PEA necessita de sentir-se seguro para estar calmo, e isso implica saber o que o espera. Algumas metodologias escolares específicas para crianças com autismo, como o modelo TEACCH [Treatment and Education of Autistic and Related Communication Handicapped Children], propõem o trabalho com a criança a partir de uma rotina diária explicitada por um horário com símbolos visuais, de modo a que saiba sempre aquilo que irá acontecer a seguir (Lima, 2012).

Esta resistência ao inesperado também explica, em parte, a dificuldade que as crianças autistas têm em relacionar-se com indivíduos da mesma idade, uma vez que as crianças são naturalmente imprevisíveis.

Alterações na  comunicação e  na  linguagem oral

Tal como refere Jordan (2000), “há na população autista consideráveis diferenças quanto às capacidades linguísticas” (p.43). Algumas crianças autistas não falam ou falam muito pouco, podendo o mutismo acompanhá-las por toda a vida. Tal não decorre de limitações do aparelho fonador, mas de características específicas relacionadas com a compreensão do interesse da comunicação.

Mesmo em autistas com oralidade fluente e que leem e escrevem bem, existe uma alteração do conteúdo da linguagem, havendo uma desadequação ao contexto, “ou uma linha de discurso demasiado pedante ou formal, ou demasiado pormenorizado, tornando-se exaustivo” (Lima, 2012, p.3). Sobretudo nas crianças, também é frequente a existência de ecolália, que consiste na repetição insistente de palavras ou expressões, conduzindo a uma linguagem oral estereotipada e pouco criativa. Muitas vezes, referem-se a si mesmos na terceira pessoa, aspeto que pode perdurar por toda a vida.

Contudo, a comunicação não se resume à linguagem oral. Embora seja frequente tomarmos estes dois termos como sinónimos, perante a problemática do autismo torna-se evidente que não o são. Mesmo antes de se esperar que uma criança pequena comece a falar, existem aspetos da comunicação não verbal que podem já estar comprometidos de forma evidente, nomeadamente o contacto ocular, a expressividade facial em momentos de emoção, a reciprocidade do sorriso (ou até do bocejo), a reação ao chamamento pelo próprio nome e a utilização de gestos reguladores da comunicação, tais como apontar, mostrar e dizer adeus (Lima, 2012; Jordan, 2000).

Ao longo da vida, os indivíduos com PEA podem aprender a compreender e a utilizar estes gestos e expressões que são intuitivos para a população em geral. Contudo, a energia que despendem para adequarem a sua conduta a estas e outras espectativas sociais condiciona a sua disponibilidade para outras aprendizagens e para a gestão interna e externa, que é necessária para o seu equilíbrio. 

bottom of page